Riscos à Saúde Bucal: Pesquisa Analisa Saliva de Usuários de Cigarro Eletrônico

Nos últimos anos, os cigarros eletrônicos – popularmente conhecidos como vape ou pod – se espalharam entre adolescentes e jovens adultos, ganhando destaque como uma suposta alternativa “menos nociva” aos cigarros tradicionais. No entanto, o avanço das pesquisas científicas tem desmistificado essa percepção.

Recentemente, estudos conduzidos por diversas instituições brasileiras, incluindo a Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores internacionais, evidenciaram impactos negativos dos cigarros eletrônicos não apenas sobre o sistema respiratório, mas também na saúde bucal, especificamente por meio da análise dos elementos químicos presentes na saliva de seus usuários.

Neste artigo, aprofundamos os achados mais recentes sobre as alterações químicas na saliva de usuários de cigarros eletrônicos, as implicações dessas mudanças para a saúde bucal e geral, e como essa nova compreensão pode nortear políticas públicas e condutas clínicas.

O Avanço dos Cigarros Eletrônicos entre Jovens

Contextualização: O Avanço dos Cigarros Eletrônicos entre Jovens

Desde sua introdução global no início dos anos 2000, os cigarros eletrônicos foram comercializados como dispositivos de cessação do tabagismo – uma promessa de redução dos danos causados pelo cigarro tradicional.

Contudo, diversas pesquisas apontam para um fenômeno oposto: a popularização desses dispositivos entre jovens não fumantes, o aumento da dependência à nicotina e uma série de prejuízos associados à saúde.

No Brasil, apesar da proibição da venda pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009, a comercialização clandestina e o fácil acesso digital transformaram o vape numa moda entre os jovens.

.Estima-se que pelo menos 20% dos brasileiros na faixa de jovens adultos já tenham experimentado o cigarro eletrônico ao menos uma vez, e cerca de quatro milhões já utilizaram o dispositivo, conforme dados recentes. O perfil típico dos usuários inclui principalmente jovens com nível educacional elevado, demonstrando como a questão atinge também ambientes universitários.

Objetivo das Pesquisas: Avaliar os Elementos-Químicos na Saliva

O olhar científico brasileiro se voltou para as consequências desse hábito sobre a saúde bucal. Entre as pesquisas de maior destaque, está o trabalho realizado por Ademar Takahama Junior, professor do Departamento de Medicina Oral e Odontologia Infantil (UEL), em colaboração com Fábio Luiz Melquiades, do Departamento de Física da UEL, e outros pesquisadores de renome nacional e internacional.

O objetivo central desse conjunto de estudos foi avaliar se a composição química da saliva de usuários de cigarros eletrônicos difere da saliva de não usuários e identificar quais elementos-traço – isto é, elementos químicos presentes em baixíssimas concentrações vitais para o organismo, mas potencialmente perigosos em desequilíbrio – estão envolvidos nesse processo.

Dentre os principais elementos analisados estão o cobre, zinco, níquel, fósforo, potássio e cálcio, fundamentais para diversos processos fisiológicos.

A hipótese era de que o uso do cigarro eletrônico alteraria o equilíbrio desses elementos – uma condição associada, segundo a literatura científica, ao surgimento de doenças inflamatórias, cardiovasculares e até câncer.

Objetivo das Pesquisas: Avaliar os Elementos-Químicos na Saliva

Metodologia: Quem Foram os Participantes e Como as Amostras Foram Analisadas

Para garantir robustez à pesquisa, os estudos selecionaram grupos homogêneos, compostos por 70 participantes da comunidade universitária: 35 fumantes de cigarros eletrônicos e 35 não usuários. Critérios rigorosos de exclusão foram aplicados, como o uso de medicamentos contínuos ou a utilização combinada de outros derivados de tabaco. O objetivo era isolar o máximo possível o efeito exclusivo do cigarro eletrônico sobre a saliva.

A coleta das amostras de saliva foi realizada por estudantes de Odontologia, seguindo protocolos padronizados para garantir a integridade e comparabilidade dos resultados. As amostras foram encaminhadas para análise laboratorial, utilizando-se métodos de alta precisão, como a fluorescência de raios-X por reflexão total (TXRF), tecnologia que permite a detecção de mínimas concentrações dos elementos químicos.

Além dessas análises laboratoriais, os participantes passaram por avaliações clínicas detalhadas, analisando parâmetros como viscosidade, pH da saliva, concentração de cotinina (principal metabólito da nicotina), frequência cardíaca, oximetria, glicemia e níveis de monóxido de carbono (CO) no ar expirado.

Principais Descobertas: Alterações Químicas e Metabólicas na Saliva

1. Alterações nos Elementos-Traço

Os resultados mostraram que na saliva dos usuários de cigarros eletrônicos há desequilíbrio nos elementos-traço comparável ao observado em fumantes de cigarros convencionais. Isso indica que os eventuais malefícios do cigarro tradicional à saúde bucal se repetem, ou até se intensificam, com o uso do vape. O desequilíbrio pode propiciar um ambiente favorável ao desenvolvimento de inflamações, infecções orais, lesões pré-malignas e maior risco para doenças sistêmicas.

2. Identificação de Novos Biomarcadores

Análises avançadas, como a metabolômica, permitiram identificar 101 metabólitos presentes na saliva dos participantes, com destaque para 61 metabólitos exclusivos ao grupo de usuários de cigarro eletrônico. Entre estes, quatro biomarcadores se mostraram significativamente aumentados nesse grupo: ácido esteárico, ácido elaídico, valina e ácido 3-fenilático. A presença desses compostos sugere uma resposta inflamatória aguda e o início de alterações metabólicas ligadas ao metabolismo de xenobióticos (compostos estranhos ao organismo).

3. Redução do Fluxo Salivar e Menor Viscosidade

Outra constatação marcante foi a redução do fluxo salivar nos usuários de vapes. Substâncias presentes nos aromatizantes, como propilenoglicol e glicerina, embora responsáveis pela sensação organoléptica dos cigarros eletrônicos, causam ressecamento da mucosa oral e reduzem a viscosidade da saliva. Isso compromete a sua função protetora, facilitando a formação de biofilme bacteriano (placa dental) e abrindo caminho para o surgimento de cáries e doenças gengivais.

4. Elevação de Compostos Tóxicos e Parâmetros de Risco Sistêmico

Os participantes usuários apresentaram níveis elevados de cotinina – reflexo do maior grau de exposição e dependência nicotínica –, aumento do monóxido de carbono exalado e menor saturação de oxigênio no sangue. Esses dados apontam para o comprometimento não só da saúde bucal, mas também de funções cardiovasculares e de oxigenação sistêmica, aumentando o risco de infarto e AVC, especialmente em populações jovens.

cigarro eletrônico e a  Elevação de Compostos Tóxicos e Parâmetros de Risco Sistêmico

Implicações Clínicas: Da Boca ao Organismo

Os resultados desta e de outras pesquisas levam a uma importante conclusão: a saliva é um marcador sensível e não invasivo para o rastreio dos impactos do cigarro eletrônico sobre a saúde. Mais do que proteger os dentes e iniciar o processo de digestão, a saliva atua como barreira contra patógenos, neutraliza ácidos, participa na remineralização dental e facilita a fala. Suas alterações demarcam riscos precoces e silenciosos à saúde.

Quando há diminuição do fluxo salivar e redução da viscosidade, cria-se um ambiente ácido e propício à instalação de doenças como:

  • Cárie dental
  • Doença periodontal (gengivite e periodontite)
  • Lesões ulcerativas e leucoplásicas (pré-cancerígenas)
  • Infecções oportunistas, como a candidíase oral
  • Halitose persistente

Além dos riscos locais, as alterações detectadas sugerem distúrbios sistêmicos associados ao metabolismo de nicotina e outros xenobióticos. Biomarcadores identificados, se validados em estudos futuros, podem compor painéis diagnósticos importantes na odontologia preventiva e até para a oncologia.

Nicotina, Aromatizantes e Dependência: O Triângulo de Riscos

A percepção de “segurança” ligada ao cigarro eletrônico reside, em parte, na redução ou ausência da queima de tabaco, mas ignora o efeito cumulativo dos compostos presentes nos vaporizadores. A nicotina nos vapes, com seus sais de rápida absorção, alcança o sistema nervoso central em curto intervalo, produzindo dependência intensa, ansiedade, irritabilidade e riscos cardiovasculares até mais severos que no cigarro convencional.

Já os aromatizantes – ingredientes buscados pela experiência sensorial “agradável” –, ao lado do propilenoglicol e da glicerina, são os principais responsáveis pela alteração do ambiente oral. Eles promovem irritação, ressecamento, alteração do pH e aumento da permeabilidade da mucosa, tornando-a mais suscetível à penetração de substâncias tóxicas e potencialmente carcinogênicas.

Comportamento Associado: Consumo de Álcool e Ampliação dos Danos

Outro fator preocupante revelado no estudo é a alta frequência da associação entre o uso de cigarros eletrônicos e o consumo de álcool. Dados indicam que 76% dos participantes relataram uso concomitante de vape e álcool, enquanto 52% mencionaram aumento do uso do cigarro eletrônico associado à ingestão de bebidas alcoólicas. Ambos são reconhecidos fatores de risco sinérgico para o desenvolvimento de câncer oral, potencializando a permeabilidade da mucosa e a ação das substâncias nocivas.

Comportamento Associado: Consumo de Álcool e Ampliação dos Danos

A Saliva Como Espelho da Saúde: Potencial Diagnóstico

Ao longo dos estudos, ficou evidente a importância do monitoramento salivar como ferramenta de rastreio e prevenção. A facilidade da coleta, baixo custo e riqueza de informações bioquímicas fazem da saliva um “espelho” do impacto do cigarro eletrônico, permitindo identificar precocemente alterações metabólicas, tabagismo oculto (biomarcadores como a cotinina), tendências inflamatórias e predisposição a doenças sistêmicas.

Isso implica que odontologistas, médicos e profissionais de saúde pública devem reforçar o diagnóstico preventivo com base na saliva, abandonando a crença ultrapassada de inocuidade dos vapes.

Evolução do Risco: Fatores de Gravidade e Populações Vulneráveis

Jovens em Maior Risco

O grupo que mais preocupa hoje é o das faixas etárias entre 18 e 30 anos, especialmente estudantes universitários. Pesquisas demonstram que, neste público, metade já experimentou o cigarro eletrônico e uma fração crescente se torna usuária regular. O acesso facilitado às versões descartáveis, coloridas, de sabores doces e design atrativo colabora para o consumo despretensioso, mascarando a dependência química resultante e seus danos de longo prazo.

Populações com Predisposição a Doenças Bucais

Indivíduos com predisposição genética à doença periodontal, diabéticos, imunossuprimidos ou em uso de determinados medicamentos tem risco exponencialmente aumentado de complicações decorrentes da alteração na composição salivar. Para estes, o uso de qualquer derivado de tabaco ou nicotina, especialmente os eletrônicos, deve ser encarado como fator agravante e contra-indicado nos protocolos de saúde.

Impactos Sistêmicos: Para Além da Saúde Bucal

A boca é porta de entrada para diversas patologias. Ao produzir desequilíbrios locais, os cigarro eletrônicos abrem a possibilidade de evoluções indesejadas, como:

  • Cardiopatias: aumento da pressão arterial, elevação de frequência cardíaca, amplificação do risco de eventos isquêmicos;
  • DPOC, Asma e Enfisema Pulmonar: doenças já relatadas para o cigarro tradicional e agora documentadas também no uso de vapes, devido a lesões diretas nas vias respiratórias pelo vapor aquecido e partículas inaladas;
  • Desregulação metabólica: o efeito inflamatório local pode repercutir no metabolismo sistêmico, contribuindo para resistência insulínica e alterações do sistema imune;
  • Carcinogênese: compostos nitrosaminas, formaldeído e metais pesados foram detectados em diversos cartuchos de vape, sugerindo potencialidade cancerígena equiparável ou superior ao cigarro comum em certas circunstâncias.
Impactos Sistêmicos: Para Além da Saúde Bucal

Políticas Públicas, Fiscalização e Desafios Éticos

O cenário brasileiro, similar ao de outros países em desenvolvimento, é preocupante. Mesmo diante da proibição legal, a fiscalização precária, a publicidade velada nas redes sociais e o apelo visual dos produtos impulsionam o consumo. Crianças e adolescentes compõem uma fração crescente dos usuários.

As pesquisas analisadas servem de alerta para autoridades sanitárias, educadores e famílias. Recomenda-se urgente reforço das campanhas de informação e educação, com o apoio das evidências científicas recentes, para desmistificar a suposta “inofensividade” do cigarro eletrônico e coibir incentivos comerciais indiretos.

Recomendações Clínicas e de Saúde Pública

Profissionais de saúde devem:

  • Questionar rotineiramente sobre o uso de cigarros eletrônicos durante anamnese odontológica e médica, especialmente em jovens e adolescentes;
  • Incluir a avaliação salivar como ferramenta de rastreio em consultas preventivas, atentando às alterações de fluxo, viscosidade e pH;
  • Alertar sobre os riscos de doenças bucais e sistêmicas associadas ao desequilíbrio de elementos-traço, identificando sinais precoces de inflamação ou infecção;
  • Estabelecer parcerias interdisciplinares, integrando médicos, dentistas, nutricionistas e psicólogos no tratamento do tabagismo e seus derivados eletrônicos;
  • Atuar junto às escolas, universidades e comunidades, promovendo eventos educativos, campanhas de conscientização e palestras.
Recomendações Clínicas e de Saúde Pública

Perspectivas Futuras e Novas Linhas de Pesquisa

Os avanços recentes abrem perspectivas inéditas para o diagnóstico molecular baseado em saliva, podendo futuramente contribuir para a identificação precoce de doenças relacionadas ao tabagismo eletrônico. Outras linhas de pesquisa essenciais incluem:

  • Investigação longitudinal do impacto dos vapes em populações jovens ao longo de décadas;
  • Validação dos biomarcadores identificados em larga escala, como ferramentas de triagem clínica;
  • Avaliação do efeito cumulativo de exposições cruzadas, como uso simultâneo de álcool, substâncias psicoativas e cigarros eletrônicos;
  • Elaboração de métodos inovadores de orientação e cessação do uso, adaptados à linguagem digital dos jovens.

Considerações Finais

A robusta base de evidências científicas produzida por pesquisadores brasileiros e estrangeiros destaca, de forma inequívoca, que os cigarros eletrônicos alteram profundamente a composição e o metabolismo da saliva, expondo seus usuários a riscos equiparáveis ou superiores aos dos cigarros convencionais. Essas alterações, embora inicialmente silenciosas, predispõem a distúrbios bucais – como cáries, lesões na mucosa e periodontites – e podem atuar como gatilhos para doenças sistêmicas graves.

Cabe, portanto, a todos os atores sociais – pesquisadores, clínicos, gestores públicos, educadores e familiares – atuar proativamente na prevenção, diagnóstico precoce e promoção de políticas de saúde que desincentivem o consumo desses dispositivos, protegendo em especial as novas gerações dos danos potenciais do cigarro eletrônico.

Reference List at the End

  1. Maia, G. (2025). Pesquisa analisa presença de elementos químicos na saliva de usuários de cigarros eletrônicos. Agência UEL. Disponível em: https://operobal.uel.br/ultimas/2025/05/26/pesquisa-analisa-elementos-traco-na-saliva-de-usuarios-de-cigarro-eletronico/
  2. Bassette, F. (2025). Cigarros eletrônicos alteram composição da saliva, aumentando o risco de doenças bucais. Agência FAPESP e BVS/MS. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/cigarros-eletronicos-alteram-composicao-da-saliva-aumentando-o-risco-de-doencas-bucais/
  3. Lima, E. (2025). Vapes alteram composição da saliva e podem aumentar risco de doenças bucais. Superinteressante. Disponível em: https://super.abril.com.br/saude/vapes-alteram-composicao-da-saliva-e-podem-aumentar-risco-de-doencas-bucais/
  4. O Globo (2025). Vape aumenta risco de doenças bucais, mostra novo estudo brasileiro. Disponível em: https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/02/04/vape-aumenta-risco-de-doencas-bucais-mostra-novo-estudo-brasileiro.ghtml
  5. Forato, F. (2025). Vape altera composição da saliva e aumenta risco de doenças. Canaltech. Disponível em: https://canaltech.com.br/saude/vape-altera-composicao-da-saliva-e-aumenta-risco-de-doencas/
  6. Carvalho, B. F. C. C. et al. (2024). Salivary Metabolic Pathway Alterations in Brazilian E-Cigarette Users. International Journal of Molecular Sciences, 25(21), 11750. Disponível em: http://www.mdpi.com/1422-0067/25/21/11750

Riscos à Saúde Bucal: Pesquisa Analisa Saliva de Usuários de Cigarro Eletrônico

Sorrisos Radiantes, Cuidados Excepcionais! Seja bem-vindo ao meu universo odontológico! Sou Renan Vasconcellos, cirurgião-dentista, dedicado a proporcionar sorrisos radiantes com cuidados excepcionais. Com uma abordagem acolhedora, estou aqui para transformar sua visita ao dentista em uma experiência positiva e garantir que seu sorriso brilhe com saúde e confiança.