A relação entre saúde bucal e doenças cardiovasculares tem ganhado cada vez mais destaque em estudos científicos e campanhas de conscientização. Embora muitas pessoas não associem a higiene oral ao funcionamento do coração, pesquisas indicam que a saúde da cavidade bucal pode exercer influência direta no desenvolvimento e progressão de doenças cardíacas.
Neste artigo, vamos explorar os mecanismos biológicos dessa conexão, apresentar dados epidemiológicos, discutir fatores de risco compartilhados e oferecer orientações práticas para manter tanto a boca quanto o coração saudáveis.

Como a saúde bucal afeta o sistema cardiovascular
A cavidade bucal é a porta de entrada para uma infinidade de microrganismos que habitam nossas gengivas, língua e dentes. Quando a higiene bucal é inadequada, ocorre acúmulo de placa bacteriana, levando a doenças periodontais, como gengivite e periodontite.
A inflamação crônica dessas condições libera mediadores inflamatórios (citocinas) e permite que bactérias entrem na corrente sanguínea, contribuindo para a formação de placas ateroscleróticas nas artérias.
- Inflamação sistêmica
A periodontite aumenta os níveis de proteína C-reativa (PCR) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) no sangue, promovendo um estado pró-inflamatório que prejudica o endotélio vascular e facilita o acúmulo de lipídios na parede arterial. - Disseminação bacteriana
Espécies como Porphyromonas gingivalis, principal patógeno da periodontite, foram encontradas em amostras de placas ateroscleróticas, sugerindo que essas bactérias podem migrar da boca para o interior dos vasos sanguíneos “Você sabia que a saúde de suas gengivas pode afetar seu coração?”. - Formação de trombos
Produtos bacterianos e substâncias inflamatórias podem induzir a ativação plaquetária, aumentando o risco de formação de coágulos e eventos agudos, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral.

Evidências científicas e dados epidemiológicos
Diversos estudos têm estabelecido o vínculo entre saúde bucal e doenças cardiovasculares:
- Em pesquisa publicada no SciELO, as doenças cardiovasculares foram responsáveis por 382.507 mortes em 2023, representando 21% de todas as mortes no Brasil “Estatística Cardiovascular – Brasil 2023”.
- Uma investigação do Instituto do Coração (InCor) demonstrou que 40% dos pacientes com doenças cardíacas não mantinham higiene bucal adequada, sugerindo correlação entre endocardite bacteriana e periodontite “A Relação da Saúde Bucal com as Doenças Cardiovasculares”.
- Estudo da UFMG mostrou que cerca de 45% dos eventos cardiovasculares, incluindo AVC e aterosclerose, têm origem em processos inflamatórios bucais “Saúde bucal precária pode estar relacionada ao surgimento de doenças cardiovasculares”.
Esses dados ressaltam a magnitude do problema e a importância de integrar a odontologia à cardiologia para estratégias de prevenção.

Fatores de risco comuns
As doenças periodontais e as cardiovasculares compartilham diversos fatores de risco, tornando a prevenção ainda mais relevante:
- Tabagismo: O fumo agrava a periodontite ao comprometer a resposta imunológica local e aumenta o risco de aterosclerose.
- Diabetes Mellitus: Pacientes diabéticos apresentam maior inflamação gengival e têm complicações cardiovasculares mais frequentes.
- Obesidade e Sedentarismo: Sobrepeso e falta de atividade física favorecem tanto a periodontite quanto a doença arterial coronariana.
- Dieta Desequilibrada: Alto consumo de açúcares e gorduras saturadas impacta a microbiota bucal e lipídica.
Impacto da Política Nacional de Saúde Bucal – Brasil Sorridente
Lançado em 2004, o Programa Brasil Sorridente ampliou o acesso a serviços odontológicos gratuitos e fortalecendo as ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal. Entre seus resultados:
- Crescimento para cerca de 24 mil equipes de saúde bucal em todo o País.
- Mais de 1.100 Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) distribuídos nacionalmente.
- Investimentos que mais que dobraram em 2024, totalizando R$ 4,3 bilhões.
- Meta de cobertura de saúde bucal de 70% da população, partindo dos atuais 45%.
Essas ações fortalecem a prevenção primária de doenças sistêmicas, incluindo as cardiovasculares, ao reduzir a incidência de infecções bucais crônicas.
Prevenção integrada: cuidados bucais e cardíacos
Para minimizar os riscos de problemas cardiovasculares associados à saúde oral, é fundamental adotar uma abordagem multidisciplinar:
1. Higiene bucal adequada
- Escovar os dentes ao menos três vezes ao dia com creme dental fluoretado.
- Uso diário de fio dental ou escovas interdentais.
- Bochecho com antisséptico bucal quando recomendado pelo dentista.
2. Avaliações periódicas
- Consultas odontológicas semestrais, com limpeza profissional e rastreamento de doenças periodontais.
- Check-ups cardiológicos anuais para aferição de pressão arterial, eletrocardiograma e exames laboratoriais (colesterol, glicemia, PCR).
3. Controle dos fatores de risco
- Parar de fumar.
- Manter peso saudável por meio de dieta balanceada e exercícios regulares.
- Gerenciar estresse, que pode afetar a saúde bucal (bruxismo) e a pressão arterial.
4. Comunicação entre profissionais
- Estabelecer protocolos de encaminhamento entre dentistas e cardiologistas.
- Compartilhar resultados de exames laboratoriais e de imagem para ajustes terapêuticos.

Casos clínicos e relatos de sucesso
Diversos estudos de caso demonstram melhoria do quadro cardiovascular após tratamento periodontal:
- As doenças periodontais e as cardiovasculares compartilham diversos fatores de risco, tornando a prevenção ainda mais relevante: “Periodontite – Risco de Infarto”.
- Relato de pacientes com estenose carotídea, onde a periodontite crônica exacerbava a resposta inflamatória no leito aterosclerótico, melhorando após raspagem e curetagem subgengival.
Esses exemplos reforçam que a saúde bucal não se restringe ao conforto local: afeta diretamente o prognóstico de doenças que podem ser fatais.
Tecnologias e inovações no cuidado integrado
A modernização dos equipamentos e procedimentos odontológicos no SUS, por meio do Brasil Sorridente, tem impulsionado a eficácia do tratamento periodontal:
- Distribuição de 15,1 mil equipamentos odontológicos para municípios de todo o país, com prazo para solicitação até 13 de abril “Municípios têm até 13 de abril para solicitar equipamentos odontológicos para unidades do SUS”.
- Introdução de ultrassom periodontal e lasers de baixa potência na limpeza subgengival.
- Capacitações de equipes para diagnóstico precoce e manejo de casos complexos.

Mitos e verdades sobre saúde bucal e coração
- “Só gengivite leve não prejudica o coração.”
– Verdadeiro? Mesmo gengivites leves podem desencadear inflamação sistêmica. A prevenção precoce é essencial. - “Usar fio dental aumenta o risco de infarto por liberar bactérias na corrente sanguínea.”
– Mito. O uso correto do fio dental reduz a carga bacteriana e o grau de inflamação; o risco de bacteremia transitória é mínimo e bem tolerado em indivíduos saudáveis. - “Pessoas com stents coronários não podem fazer limpeza profunda.”
– Mito. O procedimento é seguro quando realizado com profilaxia antibiótica nos casos indicados pelo cardiologista. - “Bactérias da cárie causam doenças do coração.”
– Parcial. As cáries em si produzem ácidos que deterioram o esmalte, mas são as doenças periodontais, com invasão bacteriana do tecido gengival, que se relacionam mais diretamente às doenças cardiovasculares.
Considerações finais
A ligação entre saúde bucal e doenças cardiovasculares evidencia a necessidade de uma visão holística da saúde. Investir em estratégias de prevenção bucal não beneficia apenas o sorriso: tem impacto significativo na redução de eventos cardíacos e na qualidade de vida.
Profissionais de odontologia e cardiologia devem trabalhar em conjunto, partilhando conhecimento e protocolos, para enfrentar de forma integrada as principais causas de mortalidade no Brasil.
Adote hoje mesmo uma rotina de higiene oral eficiente, mantenha consultas regulares com seu dentista e seu cardiologista, e apoie iniciativas públicas que fortaleçam o acesso a tratamentos odontológicos de qualidade. Cuidar da boca é cuidar do coração.
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